CAMELOS E AGULHAS: CAMINHO DO REINO DE DEUS
Marcos 10: 17-31
INTRODUÇÃO
O que camelos e agulhas têm a ver com o caminho do Reino de Deus? Eles ilustram a impossibilidade do ser humano alcançar, por si mesmo, a salvação e entrar no Reino de Deus. Somente o própio Deus, nosso Rei, abre o acesso ao Seu Reino, e possibilita a salvação à humanidade. Camelos e agulhas ilustram essa verdade teológica. Verdade que deixou confusos os própios discípulos de Jesus, que aínda pensavam conforme os padrões da teologia judaica da salvação. Eles não conseguiam, ainda, enxergar a novidade absoluta da proposta de Jesus. Tanto tempo com o Mestre: viram sinais e milagres, ouviram Seus ensinos, privaram de Sua amizade íntima. Porém, ainda não compreendiam a Sua proposta do Reino de Deus.
O texto base de nosso estudo, hoje, apresenta um "teste" para a nossa compreensão da salvação. De um modo bastante claro e desafiador, Jesus expõe a relação entre salvação e riqueza; entre a entrada no Reino de Deus e a entrada no reino de Mamon. A lição de Jesus é contundente, e a história da interpretação deste texto, pelas Igrejas Cristãs, tem mostrado várias tentativas de suavizar a exigência de Cristo. Nós iremos tentar fazer a leitura mais fiel possível ao texto. Precisamos estar abertos ao impacto, à força do ensino de Jesus, mesmo que tenhamos de rever alguma de nossas idéias já estabelecidas.
Como já tivemos oportunidade de observar, o episódio começa e termina com referência ao "caminho" (cap. 10: 17 y el 32a). A estrutura de ação pretende ser didática, distribuindo-se em três partes, cada uma das quais inclui o "olhar admirado" de Jesus:
1. a conversa com o homem rico (10:17-22): "Jesus olhou para ele" (emblepsa, v. 21);
2. o ensinamento sobre o reino de Deus (10:23-26): "E Jesus olhou admirado em torno de si para os seus discípulos e disse...";
3. o ensinamento sobre a comunidade e a propriedade (10:27-30): Jesus olhou para eles...(emblepsas, v. 27)" e a recompensa dos discípulos (v.28-31).
A unidade do episódio se revela no seu discurso, que é composto concentricamente:
A pergunta sobre a vida eterna (v.17);
B o homem rico não pode deixar seus bens e seguir Jesus;
C a explicação de Jesus, a reação dos discípulos (duas vezes);
B' os discípulos deixaram seus bens e seguiram Jesus;
A' resposta à pergunta sobre a vida eterna (v. 30).
A narrativa termina com a reafirmação do tema da seção: "primeiro/último" (10:31).
Como já tivemos oportunidade de observar, o episódio começa e termina com referência ao "caminho" (cap. 10: 17 y el 32a). A estrutura de ação pretende ser didática, distribuindo-se em três partes, cada uma das quais inclui o "olhar admirado" de Jesus:
1. a conversa com o homem rico (10:17-22): "Jesus olhou para ele" (emblepsa, v. 21);
2. o ensinamento sobre o reino de Deus (10:23-26): "E Jesus olhou admirado em torno de si para os seus discípulos e disse...";
3. o ensinamento sobre a comunidade e a propriedade (10:27-30): Jesus olhou para eles...(emblepsas, v. 27)" e a recompensa dos discípulos (v.28-31).
A unidade do episódio se revela no seu discurso, que é composto concentricamente:
A pergunta sobre a vida eterna (v.17);
B o homem rico não pode deixar seus bens e seguir Jesus;
C a explicação de Jesus, a reação dos discípulos (duas vezes);
B' os discípulos deixaram seus bens e seguiram Jesus;
A' resposta à pergunta sobre a vida eterna (v. 30).
A narrativa termina com a reafirmação do tema da seção: "primeiro/último" (10:31).
SEGUIDOR DE MAMON PROCURA A JESUS (VV. 17-22)
Jesus está caminhando com seus discípulos. Estão a caminho de Jerusalém, onde o conflito final entre Jesus e as autoridades judaicas irá a acontecer. Repentinamente, um homem se lança aos pés do Senhor. O episódio era comum: pessoas procurando Jesus. Este homem, porém, o fez de forma inédita. " Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna? " (v.17). O cumprimento "Bom Mestre" era raro no Judaísmo, provavelmente tem uma dose de falsa humildade. O epíteto "bom", que no Antigo Testamento é atributo divino (Salmos 118:1s; 1Cr 16:34), os teólogos passaram verdadeiras agonias diante das implicões cristológicas do aparente auto-aniquilamento de Jesus em 10:18. O problema desaparece assim que percebemos que Jesus repele e desfaz as esperanças do homem de algum agrado em troca. Um especialista em cultura e costumes orientais comentou: "ele tenta impressionar com um cumprimento e, talvez, espera ser saudado com um título honorífico em troca. No mundo oriental, um cumprimento exige um segundo... Esta parece ser a tensão do texto, pois Jesus não retribui o cumprimento" (K. Bailey, A Poesia e o Camponês, Ed. Vida Nova, São Paulo).
Dificilmente haveria necessidade de enfatizar que este texto, que é tão crucial para a ideologia da comunidade de Marcos, foi notoriamente mal manipulado por aqueles cujo interesse reside em atenuar e abrandar sua crítica contra os ricos. Popularmente conhecida como a narrativa do "jovem rico e de posição" a personagem de Marcos, na realidade, não é jovem (Mt), nem pessoa de posição (Lc); o que nos foi dito--e somente depois ele desistiu e se afastou do convite ao discipulado -- é que ele era grande proprietário, alguém que possuía muitos bens. No começo, porém, ele é simplesmente descrito como alguém que, assim como o leproso em v. 1:40, veio procurar Jesus, ajoelhando-se para fazer uma pergunta. Mas, desde as primeiras palavras percebemos que aí ocorrerá conversa extraordinária.
A conversa, que aparentemente seria amistosa e levaría à conversão do homem que procurara Jesus, toma um rumo complicado. Jesus rejeita o título, e responde à pergunta daquele homem com uma certa impaciência (vv. 18-19). Um detalhe na resposta de Jesus é fundamental para entendermos o texto. A pergunta do homem é singular em Marcos, por causa do uso do termo "vida eterna", que funciona como a chave do discurso da narrativa. Jesus responde de maneira tal que, à primeira vista, parece descaracterizada: ele simplesmente cita o Decálogo sem cualquer comentário evidente. Será que Marcos, tendo acabado de mostrar que certas partes da Torá foram dadas como concessão devido à "dureza do coração" humano (10:5b), está tentando reafirmar aqui seu compromisso com a Lei? Talvez; entretanto, a leitura mais atenta revela que existe novamente uma trança em sua citação. Com efeito, um dos estatutos citados por Jesus, na realidade, não aparece no Decálogo ! É "não defraudarás ninguém", ponto que não se acha incluído nem em Mateus nem em Lucas. A referência feita neste acréscimo dirige-se claramente a exploração econômica:
Na Bíblia grega o verbo é adequado ao ato de reter os salários dos empregados, ao passo que no grego clássico ele é usado para indicar a recusa de restituir bens ou dinheiro depositados com outrem por garantia [...] cf. Ex 21:10; Dt 24:14 [Taylor, 1963:428]. Será que Jesus cometeu um engano, incluindo um mandamento "novo" ao decálogo? Não !, obviamente, Jesus estava destacando a questão fundamental da vida daquele homem. É claro que muito mais está sendo discutido nesta narrativa do que simplesmente o malogro de um homem: o julgamento é transferido para a classe rica. A continuação da conversa é reveladora. "Mestre, desde jovem tenho observado tudo isso" (v.20). O homem parece não haver entendido o sentido exato da expressão "ninguém é bom", pois ele afirma, em resposta ao desafio de Jesus, que ele é irrepreensível diante da lei (10:20). Bailey escreve:
"No Talmude, Abraão, Moisés e Aarão são apresentados como pessoas que guardaram toda a lei. O dirigente rico parece, calmamente, colocar-se em tão elevada companhia [1980:163]".
Não obstante, Marcos nos diz que Jesus olhou para o homem e "o amou", e disse: "uma coisa te falta, vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; então vem, e segue-me" (v.21). Como podemos explicar o fato de que este é o único lugar em Marcos onde Jesus é descrito amando alguém? Existe dois puntos relacionados na lógica narrativa, chegando ambos a uma explicação.
O primeiro está ligado a episódio posterior paralelo a este: a conversa com outra classe adversária, a escriba (12:28-34). O problema alí também tem a ver com os mandamentos-chave da lei e também envolve um dito "duro" sobre o Reino de Deus (12:34b). Ali, contudo, o impulso central é o imperativo do amor de Deus e ao próximo ( o único novo aparecimento de agapao ). Antecipando este ensinamento, Marcos tem o cuidado, em 10:21a, de supor que, enquanto Jesus possa estar recitando o decálogo, na realidade ele está praticando o "grande mandamento". Jesus teve de ser honesto com aquele homem, e anunciou clara e diretamente o caminho para o Reino; honestidade com amor!
"Uma coisa te falta". Talvez esperássemos que Jesus dissesse: "precisas crer em mim". Não ! A resposta de Jesus atinge o centro da vida daquele homem: ele é um adepto do deus Mamon, é um devoto das riquezas. Quer a vida eterna, mas não quer entregar toda sua vida ao Rei. Quer a salvação, mas não quer abrir mão das suas riquezas. "Ele porém, contrariado com esta palavra, retirou-se triste, porque era dono de muitas propriedades" (v.22). O homem pertencia à elite econômica do Judaísmo. Para os judeus daquela época, ser rico era sinal de bênção divina. Como Jesus podería pedir àquele homem que deixasse suas terras e riquezas, para seguí-lo? Será que Jesus não sabia que os ricos eram abençoados por Deus? Contrariado e triste, o latifundiário foi embora. No chamado de Jesus ao discipulado, o homem encarnará aqueles para quem "o amor à riqueza (apate tou ploutou) intervém para abafar a palavra, tornando-a infrutífera". No chamado de Jesus ao discipulado, o sentido da "autonegação" depois se concretiza em termos econômicos, distribuído em quatro imperativos distintos:
1. Vai (hupage),
2. vende o que tens,
3. dá-o aos pobres (e terás um tesouro no céu),
4. vem (deuro), segue-me.
A primeira ordem comumente é usada por Marcos nas narrativas de cura (1:44; 2:11; 5:19.34; 7:29) e, talvez, aqui seja parte do convite: ser curado da doença de acumular riquezas. A quarta ordem está intimamente ligada ao primeiro chamado. Até a segunda pode ser encarada como paralela, pois já observamos que o padrão empregado por Jesus consistia em chamar pessoas para que saíssem da segurança da sua vocação para ingressarem no caminho. A exigência feita ao homem rico no sentido de que abandonasse os seus bens não é diferente do pedido dirigido a pescador que deixasse suas redes (1:18).
O terceiro imperativo é excepcional. Supondo que este homem fosse muito rico, Jesus determina que sua riqueza deve ser distribuída aos pobres. A oposição implícita entre terra ("dar aos pobres") e céu ("e terás um tesouro no céu") é ainda outra expressão da inversão apocalíptica de status. Foi "diante desta palavra" que o homem se esquivou e acabou indo embora. A única pessoa que, no evangelho de Marcos, procurou Jesus a fim de "herdar a vida eterna", não aceitou o caminho proposto por Jesus. Não quis converter o seu bolso. Ele não entendeu que a sua riqueza era uma fraude perante Deus! (Por isso Jesus acrescentou o mandamento "não defraudarás").
A herança, no Antigo Testamento, era a parte de terra que Deus daria a cada família judaica na Terra Prometida (cf. Js 11:23; 13:6b-7) Não podia ser vendida, nem podia ser acumulada (Cf. 1 Rs 21:1-4). Aquele homem queria herança da vida eterna, porque já havia acumulado as heranças de outros aqui na terra. Garantida a riqueza aqui, queria a eternidade também ! Só que ele não entendeu a mensagem de Jesus. O caminho para o Reino de Deus é o caminho da renúncia (Mc 8:34-37), o caminho da justiça e obediência a Deus. Aquele homem queria apenas garantir sua eternidade. Sua fé era do mesmo tipo da dos demônios (Tg 2:19).
UM CAMELO APONTA O CAMINHO
DA SALVAÇÃO ( vv. 23-27 )
O homem rico fora embora. Jesus olha os discípulos e diz: "Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que tem riquezas !" (v.23). A reação dos discípulos é de estranheza. Eles também pensavam como o rico, acreditavam que riqueza era sinal de bênção de Deus. Perante o espanto dos discípulos, Jesus reafirma sua palavra: "é mais fácil passar um camelo pelo fundo da agulha, do que entrar um rico no reino de Deus!" (v.25) Maior espanto ainda, o dos discípulos: "então, quem pode ser salvo?" (v.26) Se os ricos, que "têm" a bênção de Deus estão "nas mãos do camelo e da agulha", como os não-ricos poderão chegar ao reino?
Esse camelo tem dado trabalho aos intérpretes do texto. Alguns, dizem que a palavra grega foi copiada errada: ao invés de camelo, Jesus falara sobre uma "corda grossa": Bem, no grego, seria apenas a mudança de uma letrinha... Outros, inventaram uma porta nos muros de Jerusalém. Uma porta estreita e baixa, pela qual um camelo, carregado de mercadorias, só poderia passar se arrastando, feito cachorro treinado! Nada disso é necessário. O texto é simples, claro e direito. É impossível para um camelo passar pelo fundo de uma agulha. camelo é o animal, mesmo; e a agulha é uma agulha de costura mesmo. Jesus usa de uma "hipérbole", uma figura de estilo, comumente conhecida por "exagero". A hipérbole, por sua dimensão, tem a função de ressaltar uma idéia. Aqui, Jesus quer deixar claro: "para os homens isso (ser salvo) é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível" (v.27).
Jesus está aplicando um golpe fatal na doutrina judaica da salvação: a salvação não se consegue pela prática da lei, e a riqueza não é sinal de bênção divina. No Reino de Deus riqueza é fraude, injustiça, infidelidade ao projeto de vida abundante para todas as pessoas ! No Reino de Deus a Lei não salva, a religiosidade não garante vida eterna; freqüentar a Igreja não abre a porta do céu. É preciso seguir a Jesus, em Seu estilo amoroso de vida; doou-se à humanidade, conviveu com os pobres e pecadores, com as prostitutas e publicanos. Para entrar no reino de Deus é necessário montar no camelo e entrar pelo fundo da agulha!!
Por que será que este texto causa estranheza? Será que nós pensamos como aquele rico, e como os discípulos de Jesus, achando que riqueza é sinal de bênção divina? Será que nos identificamos com aquele homem rico, e aguardamos a Lei, desde que nos interesse, não levando a sério as exigências da graça do Reino de Deus?
O CAMINHO DO REINO: UMA NOVA
SOCIEDADE (VV. 28-31)
O diálogo continua. Desta vez, entre Pedro e Jesus. Pedro começa a falar com Jesus: "eis que nós tudo deixamos e te seguimos" (v.28). Parece que alguém começou a entender a proposta de Jesus ! A exigência do Reino de Deus é igual para todas as pessoas: ricos e pobres, poderosos e fracos, homens e mulheres crianças e velhos. Todos precisamos "deixar tudo" para seguir a Jesus. Sem deixar Pedro terminar de falar, Jesus responde: "Em verdade vos digo que ninguém a que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou filhos, ou campos, por mim e pelo Evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições; e no mundo por vir a vida eterna" (vv. 29-30).
Quem renuncia a tudo, por Jesus, entra em uma nova comunidade, torna-se membro de uma nova família. A nova sociedade do Reino de deus se caracteriza pela partilha: da amizade, do amor, da casa, do trabalho, dos bens. O Reino instaura um novo estilo de vida, oposto ao estilo da acumulação, da ganância, do egoísmo. É o Reino da comunhão, todos os seus membros são "como um", entre eles não há diferenças, hierarquias, privilégios. Por isso a proposta de Jesus é tão dura de engolir. É fácil ficar com a proposta da religião, das igrejas, mas é muito difícil aceitar a proposta do Reino, pois é preciso renunciar a tudo para seguir a Jesus.
A fé, exigida por Jesus, é muito mais do que concordar com algumas doutrinas religiosas. Afeta toda a nossa vida: é completa obediência a Deus! Mas traz recompensa: (1) já no presente cem vezes mais de tudo a que renunciamos, pois nos tornamos parte de uma nova comunidade - mas "com perseguições", porque os ricos, os poderosos, os influentes, os privilegiados, os que decidem com crueldade trazendo consigo a morte, não aceitarão a nova organização; na qual serão melhores do que a maioria das pessoas. Os pobres, os marginalizados, os famintos também terão dificuldades, porque no Reino não há garantias, não há maneiras fáceis de subir na vida, deixando os outros para trás. Ou vamos todos juntos, ou não vamos a lugar algum. No Reino não há espaço para o individualismo. No Reino, ficamos como Jesus, sujeitos à perseguição e ódio dos homens. (2) No "mundo por vir" teremos a vida eterna. A recompensa, no presente, é a vida no estilo do Reino de Deus. No futuro, após a volta de Cristo, a eternidade na presença de Deus: vida sem fim, sem dores, lágrimas ou rancores. Sem ricos ou pobres...
"Muitos primeiros serão últimos;
e os últimos, primeiros" (v.31). Quem
são os primeiros e os últimos, hoje?
PARA REFLETIR
1. Por que muita gente prefere "espiritualizar" o ensino de Jesus, e dizer que "deixar tudo" é um ato só do coração, sem afetar o bolso?
2. Qual é o nosso estilo de vida? O do Reino de Deus, ou o do reino de Mamon, das riquezas e privilégios? Seguimos as pegadas de Jesus, ou vamos atrás do triste latifundiário judeu?
3. Nós, cristãos, acreditamos ser os primeiros (os eleitos) no caminho da vida eterna. será que Deus concorda conosco?.
SOLI DEO GLORIA
Rev. Ruben Dario Daza
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