REFLEXÃO DE LUCAS
10:9
Do ponto de vista
do Trabalho Pastoral
…E curai os enfermos que nela
houver, e dizei-lhes: É chegado a vós o reino de Deus. Lucas 10:9
Introdução exegética
Não é exagero qualificar o
evangelho de Lucas como “o evangelho dos
pobres”, isto é, a boa nova de Deus em favor dos que se acham de alguma
maneira privados do necessário. Este interesse de Lucas pela categoria dos
pobres, demonstra que o evangelho de Deus, isto é, a boa nova da salvação, é
dado a tais pessoas ou categorias de pessoas. No evangelho de Lucas, isso é
posto bem em evidência pelo discurso programático de Jesus em Nazaré que, no
projeto global de Lucas, prefigura toda a atividade de Jesus. Jesus torna seu
anúncio de salvação e de esperança da terceira parte do livro de Isaías:
“O Espírito do Senhor está
sobre mim, porque ele me escolheu para dar uma boa notícia aos pobres. Enviou-me para proclamar a libertação aos
prisioneiros, a recuperação da vista aos cegos, para mandar em liberdade os
oprimidos e para proclamar um ano de salvação da parte do Senhor” ( Lc 4,18-19;
cf. Is 61,1-2 ).
Os destinatários do
anúncio de Jesus, da sua missão de profeta e de messias, são os pobres,
especialmente os mais deserdados: prisioneiros, escravos, endividados. Jesus
proclama que a espera dos pobres, dos que contam com esta promessa de Deus,
agora está cumprida: ele está aqui para torná-la realidade histórica.
Aos dois enviados do
Batista, que pedem a Jesus os sinais e as credenciais de sua tarefa messiânica,
ele responde elencando os gestos de libertação em favor dos pobres; sinais
prometidos pelos profetas para o tempo do messias ( Lc 7,22 ). Os pobres
recebem uma boa nova, são “evangelizados”, á medida que são libertados de sua
situação de miséria, de privação, de carência física ou social. Na categoria dos pobres ficam incluídos cegos, surdos,
coxos, leprosos. Este realismo corporal não só exclui toda a espiritualização,
mas ajuda a entender as ressonâncias humanas e sociais da situação em que se
acham os pobres do evangelho. “Doença e pobreza no mundo antigo constituem um
binômio inseparável, já que os doentes e os enfermos, impossibilitados de
providenciar sua subsistência, deviam
muitas vezes se reduzir à mendicidade”.[1]
Os doentes ficavam à mercê de sua sorte desgraçada, no máximo, objeto de
compaixão, se não eram por motivações religiosas ou sociais, segregados ou
menosprezados como seres inúteis e perigosos. A estes pobres, diz Jesus,
pertence o reino de Deus. Em outras palavras, o amor fiel e salvador de Deus
toma a peito estas pessoas, intervém eficazmente em seu favor para salvá-los e
libertá-los. Por isso os chama “bem-aventurados”, felizes ( cf. Lc 6,20-21 ).
Dos pobres fazem parte também os “pequenos “, opostos aos doutos e sábios: são
os indivíduos desprovidos de cultura, os analfabetos, que, num ambiente
religioso controlado pelos peritos da lei sagrada, ficam excluídos dos
privilégios e das distinções sociais. A estes, diz Jesus, agora é revelado o
projeto salvífico de Deus.
Visão Teológica do Texto Lc 10:9
Nessa pequena introdução exegética, e do ponto de vista
de J. Moltmann enfatiza que [2]:
“o evangelho de Lucas apresentam a
história de Jesus à luz de sua missão messiânica, que abrange sua proclamação e
seu agir, seu agir e seu sofrimento, sua vida e sua morte. Sua proclamação do
reino de Deus próximo é parte de sua missão abrangente”. Mas sua missão não
deve ser reduzida a sua missão de só pregar. Em Lucas 10:9, Jesus envia um
suplemento de colaboradores, com autoridades e tarefas específicas, a todos os
povos. Como testemunhas autorizadas, devem levar dois a dois o anúncio
importante de Jesus: a “pregar o reino de
Deus e a curar”, a missão exata do próprio Jesus e a missão que há de caracterizar
eventualmente a comunidade de Atos. Eles (os setenta ou setenta e dois), os
quais são enviados em missão, tem que combater o poder do mal exatamente como
Jesus faz (cf. Lc 10:1-20).[3] Os discípulos participam do poder de Jesus,
poder que é dado ao messias para esmagar o antigo adversário, que mantém
escravo o homem com toda forma de prepotência. Então os poderes carismáticos
dados aos discípulos não devem
tornar-se um privilégio, um título de
prestígio pessoal, mas uma ocasião de reconhecimento e gratidão pela liberalidade
divina, que os associa à sua plenitude de vida e liberdade. Por puro Dom de
Deus, eles gozam da cidadania da nova pátria.
Percebe-se, então, que Jesus revela a nova exigência do
amor para com o próximo e da solidariedade humana; um amor que supera o
horizonte do clã ou seita religiosa, das barreiras nacionais e culturais; uma
solidariedade que não conhece limites ou restrições (Lc 10,29-37). O modo
concreto de praticar o amor para com o próximo é, pregar o reino de Deus e curar
os enfermos.
Neste sentido, argumenta Moltmann:
O evangelho do reino de Deus é o
Evangelho da libertação do povo: quem anuncia o futuro de Deus, esse traz a
liberdade ao povo. O Evangelho é o
prenúncio da salvação.… Com isso se ganha uma nova perspectiva para a atuação
de Jesus: Jesus expulsa demônios e cura doentes, ele expulsa os poderes
destrutivos da criação e restabelece as criaturas machucadas e doentes. O
domínio de Deus que ele testemunha por meio da cura de doentes sara a criação
enferma. As curas de Jesus não são milagres sobrenaturais num mundo desnatural,
demonizado e machucado…Por fim, com a ressurreição de Cristo começa a nova
criação, o Reino de Deus, no Crucificado. (O Caminho de Jesus Cristo, 1993, pp. 142.)
Pode-se
afirmar que a expulsão de demônios e cura dos enfermos caracterizam a vida de
Jesus desde o início. Elas integram também a missão messiânica dos discípulos.
Que significam elas? Curas milagrosas e expulsão de demônios estão inseridas
num contexto singular: elas têm seu lugar na irrupção do reina da vida divina
neste tempo de morte ímpia.
Nesta ótica, Moltmann (1993, pp.149), enfatiza,
que:
…o domínio de Deus expulsa da
criação os poderes de destruição, os demônios e ídolos, e sara as criaturas por
eles machucadas. Se vem o reino de Deus como Jesus o anuncia, então também vem
a salvação. Se vem a salvação de toda a criação, então também vem a saúde das
criaturas em corpo e alma, no indivíduo e na comunhão, nos homens e na
natureza. Por isso as pessoas na proximidade de Jesus não são reveladas tanto
como “pecadores”, mas como enfermos. Os homens sofredores procuram Jesus porque
buscam cura. Segundo a descrição dos evangelhos, a expulsão dos “espíritos
imundos” e a cura dos enfermos não são fenômenos historicamente condicionados
do mundo antigo nem ainda fenômenos concomitante da mensagem de Jesus, mas elas
próprias são a mensagem.
Portanto,
expulsões de demônios e cura de enfermos andam de mãos dadas, porque o povo
traz seus enfermos e possessos a Jesus e porque ele cura a ambos. Ele é
idêntico com o domínio de Deus: “Se é pelo dedo de Deus que eu expulso
demônios, então o reino de Deus já chegou a vós” (Lc 10:9). O domínio de Deus,
cuja presença Jesus anuncia e descobre, traz a salvação.
E como argüi
Multmann, J. (1993, pp. 153):
... essa salvação “possui poder
salvífico”. O conceito de “soteria” do ponto de vista dos acontecimentos
concretos, é designado também por “curar “, “purificar”, “salvar”, “desligar”,
“dar a saúde”. Acontece de igual maneira quando o mesmo se dá com a experiência
da salvação de perigo e com a libertação dos oprimidos. Somente a descrição
sumária diz que “Jesus curava” e que com o domínio de Deus veio a
salvação”. A salvação é então o resumo
de todas as curas. Se ela está contida no domínio de Deus, então ela é tão
abrangente como o próprio Deus e não pode ser reduzida a áreas parciais da
criação.
Não é a “salvação da alma”, embora também a alma
das pessoas enfermas deva ser sarada. Também não se pode delimitar a salvação a
uma área terrena, que então passa a ser denominada “bem-estar” e que é
subtraída à influência do domínio de Jesus e da fé. “Salvação é uma grandeza
que inclui integridade e bem-estar dos homens, salvação integral para o homem, não simples salvação da alma
para o indivíduo”. E como se refere J.
MULTMANN, a “salvação” não significa apenas “bens espirituais”, mas abrange, da
mesma forma, a saúde do corpo. Jesus cura “a pessoa toda”. A cura supera a
enfermidade e cria saúde. No entanto, ela não vence o poder da morte.
Estes
dois termos, curas e o evangelho do reino de Deus ( que é o prenúncio da salvação), nos
leva a concluir, então, que entre elas se relacionam de tal modo, que as
“curas” são sinais do poder da ressurreição de Deus, e que a salvação é a
consumação dessas promessas reais preestabelecidas na ressurreição dos mortos
para a vida eterna. Assim como a cura supera a doença, assim a salvação supera
a morte. Sendo qualquer doença um prenúncio vivo da ressurreição. O sentido
terapêutico da redenção reside na cura do ser humano, isto é na recuperação da
integridade do homem separado pela morte, na expulsão universal dos germes da
destruição e da mortalidade.
Nesse sentido a salvação tem
dois aspectos, um aspecto pessoal e outro cósmico. Esses dois aspectos também são reconhecíveis
nos processos da cura por meio de Jesus: cura dos doentes é o aspecto pessoal,
expulsão dos demônios é o aspecto cósmico. Pessoas doentes são curadas
subjetivamente, tornam-se sadias e livres. Ao mesmo tempo, o mundo é
desdemonizado objetivamente, os agentes daquela possessão são destruídos. Jesus
cura doentes e liberta a criação simbolicamente dos poderes da destruição, que
naquele tempo, eram chamados de “demônios”.
Uma aplicação do ensino de Lucas 10:9
Em um sentido orientativo, dentro de uma Teologia
Pastoral, o que pode nos ensinar o texto de Lucas 10:9 ? Que a igreja tem uma
Missão e um Ministério a desenvolver dentro de sua comunidade e no Mundo todo.
O ministério da Igreja é o serviço que ela presta à humanidade; ministério e
serviço têm uma relação estreita. Serviço este que está dirigido para a
humanidade, exatamente como Cristo foi de serviço. Ministrar a alguém é servir
suas necessidades. Entretanto, levar à
humanidade ao conhecimento do evangelho do reino de Deus, tem uma qualidade religiosa
e sagrada, que envolve e exige também a função de expansão das igrejas.
Evangelho e serviço no ministério da Igreja têm uma
relação estreita. Se analisarmos a missão de serviço de Cristo, falaremos que
ele “salvou a humanidade do pecado”;
duma humanidade confusa, carente, pobre, oprimido, que vive sob
estruturas sociais injustas e que está nas garras do pecado, e, incapacitado
para obter a liberdade e criar uma vida mais humana.
A estrutura da evangelização no ministério de Cristo é a
base do serviço eclesial cristão em andamento. Não podemos, legitimamente,
dividir esse serviço em dimensões divinas e humanas e essenciais. A doutrina de
Paulo, sobre a Igreja como corpo de Cristo, é sua tentativa de expor e explicar a constante atividade do Espírito
fazendo Cristo presente na Igreja. A
Igreja é o povo de Deus, mas ela o é como o
corpo de Cristo. E porque esse elemento místico faz da igreja um corpo, com a
missão de desempenhar atividades específicas, o serviço dos numerosos membros
da igreja é análogo ao serviço do próprio Cristo.
No contexto da evangelização e serviço da Igreja,
podemos distinguir dois grupos básicos de ministério. Primeiro, existem ministérios “dentro da igreja”. Aqui esperamos encontrar homens e mulheres com
capacidades e discernimentos que os habilitem a ajudar os outros (1) a entender
e envolver-se mais profundamente no
ministério da fé, (2) a criar um senso de vida comunitária espontânea e
natural, e (3) a capacitar a comunidade a refletir no sentido e nas exigências
do ensinamento evangélico. Segundo,
existem ministérios que se estendem além
da igreja até uma sociedade mais geral. Aqui
esperamos encontrar homens e mulheres que foram capacitados a entender suas
vidas à luz dos símbolos cristãos e que se esforçam para aplicar essa
consciência desenvolvida ao encarar os problemas do contexto humano
extra-eclesial. Ambos os grupos de ministérios são essenciais.
A igreja é a expressão do senhorio universal de Jesus
Cristo, a manifestação concreta do Reino de Deus. Que Jesus Cristo é “Senhor de todos”
significa não somente que ele seja soberano sobre toda a humanidade, mas que no
tempo presente concede as bênçãos do Reino de Deus a todos os que invocam seu
nome (Rm 10. 12); daí que a igreja toda, deve participar das funções de expansão
com a evangelização.
Conclusão
Na
passagem de Lucas cap. 10 nos mostra o relacionamento entre a missão de Jesus e
a missão da Igreja. É por isso que Lucas se propõe demonstrar que o ministério
dinâmico do reino e sobre a missão da Igreja que se expandia mostram que um dos
objetivos principais do evangelista foi fortalecer a missão universal progressiva
da sua comunidade. Um evangelho universal exige uma Igreja Universal, na qual
todos os cristão participem efetivamente na missão mundial como membros iguais
do corpo de Cristo. A colaboração na missão não é meramente uma questão de conveniência
prática, mas a conseqüência necessária
do propósito de Deus para a igreja e para toda a humanidade, revelado em Cristo
Jesus. A missão é inseparável da unidade, e esta é muito mais que uma questão
de estruturas. Ela tem a ver com a vontade de se alegrar com os que se alegram
e chorar com os que choram; tem a ver com “escutar, dar e perdoar”, curar e
levar a salvação de Deus à humanidade.
[1] EVANS, Craig A. Lucas. Novo
Comentário Bíblico Contemporâneo. São Paulo, Ed. Vida. 1996, pp. 202.
[2] MOLTMANN, J. O Caminho de
Jesus Cristo. Cristologia em Dimensões Messiânicas. Petrópolis. Vozes.
1993, pp.137.
[3] SENIOR, Donal & STUHLMUELLER, Carroll. Os Fundamentos Bíblicos da Missão. São Paulo. Paulinas, 1987. Pp.
365.
REV. RUBEN DARIO DAZA
PASTOR PRESBITERIANO
No hay comentarios:
Publicar un comentario