jueves, 12 de febrero de 2015

LUCAS 10:9




REFLEXÃO  DE  LUCAS  10:9 

Do  ponto de vista do Trabalho Pastoral


…E curai os enfermos que nela houver, e dizei-lhes: É chegado a vós o reino de Deus. Lucas 10:9


Introdução exegética


     Não é exagero qualificar o evangelho de Lucas como “o evangelho dos pobres”, isto é, a boa nova de Deus em favor dos que se acham de alguma maneira privados do necessário. Este interesse de Lucas pela categoria dos pobres, demonstra que o evangelho de Deus, isto é, a boa nova da salvação, é dado a tais pessoas ou categorias de pessoas. No evangelho de Lucas, isso é posto bem em evidência pelo discurso programático de Jesus em Nazaré que, no projeto global de Lucas, prefigura toda a atividade de Jesus. Jesus torna seu anúncio de salvação e de esperança da terceira parte do livro de Isaías:

     “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me escolheu para dar uma boa notícia aos pobres.  Enviou-me para proclamar a libertação aos prisioneiros, a recuperação da vista aos cegos, para mandar em liberdade os oprimidos e para proclamar um ano de salvação da parte do Senhor” ( Lc 4,18-19; cf. Is 61,1-2 ).

     Os destinatários do anúncio de Jesus, da sua missão de profeta e de messias, são os pobres, especialmente os mais deserdados: prisioneiros, escravos, endividados. Jesus proclama que a espera dos pobres, dos que contam com esta promessa de Deus, agora está cumprida: ele está aqui para torná-la realidade histórica.

     Aos dois enviados do Batista, que pedem a Jesus os sinais e as credenciais de sua tarefa messiânica, ele responde elencando os gestos de libertação em favor dos pobres; sinais prometidos pelos profetas para o tempo do messias ( Lc 7,22 ). Os pobres recebem uma boa nova, são “evangelizados”, á medida que são libertados de sua situação de miséria, de privação, de carência física ou social. Na categoria dos pobres ficam incluídos cegos, surdos, coxos, leprosos. Este realismo corporal não só exclui toda a espiritualização, mas ajuda a entender as ressonâncias humanas e sociais da situação em que se acham os pobres do evangelho. “Doença e pobreza no mundo antigo constituem um binômio inseparável, já que os doentes e os enfermos, impossibilitados de providenciar  sua subsistência, deviam muitas vezes se reduzir à mendicidade”.[1] Os doentes ficavam à mercê de sua sorte desgraçada, no máximo, objeto de compaixão, se não eram por motivações religiosas ou sociais, segregados ou menosprezados como seres inúteis e perigosos. A estes pobres, diz Jesus, pertence o reino de Deus. Em outras palavras, o amor fiel e salvador de Deus toma a peito estas pessoas, intervém eficazmente em seu favor para salvá-los e libertá-los. Por isso os chama “bem-aventurados”, felizes ( cf. Lc 6,20-21 ). Dos pobres fazem parte também os “pequenos “, opostos aos doutos e sábios: são os indivíduos desprovidos de cultura, os analfabetos, que, num ambiente religioso controlado pelos peritos da lei sagrada, ficam excluídos dos privilégios e das distinções sociais. A estes, diz Jesus, agora é revelado o projeto salvífico de Deus.
    
 Visão Teológica do Texto Lc 10:9

Nessa pequena introdução exegética, e do ponto de vista de J. Moltmann enfatiza que [2]: “o evangelho de Lucas apresentam a história de Jesus à luz de sua missão messiânica, que abrange sua proclamação e seu agir, seu agir e seu sofrimento, sua vida e sua morte. Sua proclamação do reino de Deus próximo é parte de sua missão abrangente”. Mas sua missão não deve ser reduzida a sua missão de só pregar. Em Lucas 10:9, Jesus envia um suplemento de colaboradores, com autoridades e tarefas específicas, a todos os povos. Como testemunhas autorizadas, devem levar dois a dois o anúncio importante de Jesus: a “pregar o reino de Deus e a curar”, a missão exata do próprio Jesus e a missão que há de caracterizar eventualmente a comunidade de Atos. Eles (os setenta ou setenta e dois), os quais são enviados em missão, tem que combater o poder do mal exatamente como Jesus faz (cf. Lc 10:1-20).[3]  Os discípulos participam do poder de Jesus, poder que é dado ao messias para esmagar o antigo adversário, que mantém escravo o homem com toda forma de prepotência. Então os poderes carismáticos dados aos discípulos não devem tornar-se um  privilégio, um título de prestígio pessoal, mas uma ocasião de reconhecimento e gratidão pela liberalidade divina, que os associa à sua plenitude de vida e liberdade. Por puro Dom de Deus, eles gozam da cidadania da nova pátria.

Percebe-se, então, que Jesus revela a nova exigência do amor para com o próximo e da solidariedade humana; um amor que supera o horizonte do clã ou seita religiosa, das barreiras nacionais e culturais; uma solidariedade que não conhece limites ou restrições (Lc 10,29-37). O modo concreto de praticar o amor para com o próximo é, pregar o reino de Deus e curar os enfermos.

Neste sentido, argumenta Moltmann:

O evangelho do reino de Deus é o Evangelho da libertação do povo: quem anuncia o futuro de Deus, esse traz a liberdade ao povo. O  Evangelho é o prenúncio da salvação.… Com isso se ganha uma nova perspectiva para a atuação de Jesus: Jesus expulsa demônios e cura doentes, ele expulsa os poderes destrutivos da criação e restabelece as criaturas machucadas e doentes. O domínio de Deus que ele testemunha por meio da cura de doentes sara a criação enferma. As curas de Jesus não são milagres sobrenaturais num mundo desnatural, demonizado e machucado…Por fim, com a ressurreição de Cristo começa a nova criação, o Reino de Deus, no Crucificado. (O Caminho de Jesus Cristo, 1993, pp. 142.)


     Pode-se afirmar que a expulsão de demônios e cura dos enfermos caracterizam a vida de Jesus desde o início. Elas integram também a missão messiânica dos discípulos. Que significam elas? Curas milagrosas e expulsão de demônios estão inseridas num contexto singular: elas têm seu lugar na irrupção do reina da vida divina neste tempo de morte ímpia.

Nesta  ótica, Moltmann (1993, pp.149), enfatiza, que:

…o domínio de Deus expulsa da criação os poderes de destruição, os demônios e ídolos, e sara as criaturas por eles machucadas. Se vem o reino de Deus como Jesus o anuncia, então também vem a salvação. Se vem a salvação de toda a criação, então também vem a saúde das criaturas em corpo e alma, no indivíduo e na comunhão, nos homens e na natureza. Por isso as pessoas na proximidade de Jesus não são reveladas tanto como “pecadores”, mas como enfermos. Os homens sofredores procuram Jesus porque buscam cura. Segundo a descrição dos evangelhos, a expulsão dos “espíritos imundos” e a cura dos enfermos não são fenômenos historicamente condicionados do mundo antigo nem ainda fenômenos concomitante da mensagem de Jesus, mas elas próprias são a mensagem.


     Portanto, expulsões de demônios e cura de enfermos andam de mãos dadas, porque o povo traz seus enfermos e possessos a Jesus e porque ele cura a ambos. Ele é idêntico com o domínio de Deus: “Se é pelo dedo de Deus que eu expulso demônios, então o reino de Deus já chegou a vós” (Lc 10:9). O domínio de Deus, cuja presença Jesus anuncia e descobre, traz a salvação.

E como argüi Multmann, J.  (1993, pp. 153):

... essa salvação “possui poder salvífico”. O conceito de “soteria” do ponto de vista dos acontecimentos concretos, é designado também por “curar “, “purificar”, “salvar”, “desligar”, “dar a saúde”. Acontece de igual maneira quando o mesmo se dá com a experiência da salvação de perigo e com a libertação dos oprimidos. Somente a descrição sumária diz que “Jesus curava” e que com o domínio de Deus veio a salvação”.  A salvação é então o resumo de todas as curas. Se ela está contida no domínio de Deus, então ela é tão abrangente como o próprio Deus e não pode ser reduzida a áreas parciais da criação.

Não é a “salvação da alma”, embora também a alma das pessoas enfermas deva ser sarada. Também não se pode delimitar a salvação a uma área terrena, que então passa a ser denominada “bem-estar” e que é subtraída à influência do domínio de Jesus e da fé. “Salvação é uma grandeza que inclui integridade e bem-estar dos homens, salvação integral  para o homem, não simples salvação da alma para o indivíduo”. E como se refere  J. MULTMANN, a “salvação” não significa apenas “bens espirituais”, mas abrange, da mesma forma, a saúde do corpo. Jesus cura “a pessoa toda”. A cura supera a enfermidade e cria saúde. No entanto, ela não vence o poder da morte.

     Estes dois termos, curas e o evangelho do reino de Deus ( que é o prenúncio da salvação), nos leva a concluir, então, que entre elas se relacionam de tal modo, que as “curas” são sinais do poder da ressurreição de Deus, e que a salvação é a consumação dessas promessas reais preestabelecidas na ressurreição dos mortos para a vida eterna. Assim como a cura supera a doença, assim a salvação supera a morte. Sendo qualquer doença um prenúncio vivo da ressurreição. O sentido terapêutico da redenção reside na cura do ser humano, isto é na recuperação da integridade do homem separado pela morte, na expulsão universal dos germes da destruição e da mortalidade.

            Nesse sentido a salvação tem dois aspectos, um aspecto pessoal e outro cósmico.  Esses dois aspectos também são reconhecíveis nos processos da cura por meio de Jesus: cura dos doentes é o aspecto pessoal, expulsão dos demônios é o aspecto cósmico. Pessoas doentes são curadas subjetivamente, tornam-se sadias e livres. Ao mesmo tempo, o mundo é desdemonizado objetivamente, os agentes daquela possessão são destruídos. Jesus cura doentes e liberta a criação simbolicamente dos poderes da destruição, que naquele tempo, eram chamados de “demônios”.

Uma aplicação do ensino de Lucas 10:9


Em um sentido orientativo, dentro de uma Teologia Pastoral, o que pode nos ensinar o texto de Lucas 10:9 ? Que a igreja tem uma Missão e um Ministério a desenvolver dentro de sua comunidade e no Mundo todo. O ministério da Igreja é o serviço que ela presta à humanidade; ministério e serviço têm uma relação estreita. Serviço este que está dirigido para a humanidade, exatamente como Cristo foi de serviço. Ministrar a alguém é servir suas necessidades.  Entretanto, levar à humanidade ao conhecimento do evangelho do reino de Deus, tem uma qualidade religiosa e sagrada, que envolve e  exige também a função de expansão das igrejas.

Evangelho e serviço no ministério da Igreja têm uma relação estreita. Se analisarmos a missão de serviço de Cristo, falaremos que ele “salvou a humanidade do pecado”;  duma humanidade confusa, carente, pobre, oprimido, que vive sob estruturas sociais injustas e que está nas garras do pecado, e, incapacitado para obter a liberdade e criar uma vida mais humana.

A estrutura da evangelização no ministério de Cristo é a base do serviço eclesial cristão em andamento. Não podemos, legitimamente, dividir esse serviço em dimensões divinas e humanas e essenciais. A doutrina de Paulo, sobre a Igreja como corpo de Cristo, é sua tentativa de expor e   explicar a constante atividade do Espírito fazendo Cristo presente na Igreja.  A Igreja é o povo de Deus, mas ela o  é  como o corpo de Cristo. E porque esse elemento místico faz da igreja um corpo, com a missão de desempenhar atividades específicas, o serviço dos numerosos membros da igreja é análogo ao serviço do próprio Cristo.

No contexto da evangelização e serviço da Igreja, podemos distinguir dois grupos básicos de ministério. Primeiro, existem  ministérios “dentro da igreja”. Aqui esperamos encontrar homens e mulheres com capacidades e discernimentos que os habilitem a ajudar os outros (1) a entender e envolver-se mais profundamente no ministério da fé, (2) a criar um senso de vida comunitária espontânea e natural, e (3) a capacitar a comunidade a refletir no sentido e nas exigências do ensinamento evangélico.   Segundo, existem ministérios que se estendem além da igreja até uma sociedade mais geral.  Aqui esperamos encontrar homens e mulheres que foram capacitados a entender suas vidas à luz dos símbolos cristãos e que se esforçam para aplicar essa consciência desenvolvida ao encarar os problemas do contexto humano extra-eclesial. Ambos os grupos de ministérios são essenciais.

A igreja é a expressão do senhorio universal de Jesus Cristo, a manifestação concreta do Reino de Deus.  Que Jesus Cristo é “Senhor de todos” significa não somente que ele seja soberano sobre toda a humanidade, mas que no tempo presente concede as bênçãos do Reino de Deus a todos os que invocam seu nome (Rm 10. 12); daí que a igreja toda, deve participar das funções de expansão com a evangelização.
Conclusão

Na passagem de Lucas cap. 10 nos mostra o relacionamento entre a missão de Jesus e a missão da Igreja. É por isso que Lucas se propõe demonstrar que o ministério dinâmico do reino e sobre a missão da Igreja que se expandia mostram que um dos objetivos principais do evangelista foi fortalecer a missão universal progressiva da sua comunidade. Um evangelho universal exige uma Igreja Universal, na qual todos os cristão participem efetivamente na missão mundial como membros iguais do corpo de Cristo. A colaboração na missão não é meramente uma questão de conveniência prática, mas a conseqüência  necessária do propósito de Deus para a igreja e para toda a humanidade, revelado em Cristo Jesus. A missão é inseparável da unidade, e esta é muito mais que uma questão de estruturas. Ela tem a ver com a vontade de se alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram; tem a ver com “escutar, dar e perdoar”, curar e levar a salvação de Deus à humanidade.  
   



[1] EVANS, Craig A. Lucas. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo. São Paulo, Ed. Vida. 1996, pp. 202.
[2] MOLTMANN, J. O Caminho de Jesus Cristo. Cristologia em Dimensões Messiânicas. Petrópolis. Vozes. 1993, pp.137.
[3] SENIOR, Donal & STUHLMUELLER, Carroll. Os Fundamentos Bíblicos da Missão. São Paulo. Paulinas, 1987. Pp. 365.


REV. RUBEN DARIO DAZA
PASTOR PRESBITERIANO

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