viernes, 28 de octubre de 2011

A CURA COMO AÇÃO SALVÍFICA DE DEUS : Teologia Bíblica do AT. e NT.



1 -  Teologia Bíblica


1.1. Introdução:


            Nesta primeira parte do trabalho monográfico, trataremos sobre a cura tendo como base o Antigo e Novo Testamento e afirmaremos que a cura brota do propósito maior de Deus para nossa vida: a salvação. A salvação desejada por Deus é para o homem todo, e não somente para uma dimensão do nosso ser.

Salvação, de acordo com os dicionários[1], significa:  “Segurança. A idéia de “salvação” encontrou, para se expressar no vocabulário do saltério, o verbo  hebraico yesa / yesuah,  que significa mais exatamente salvar, e usado na voz passiva (ser salvo) e causativa (fazer salvar, mandar salvar). Primordialmente, esta raiz parece conter uma idéia de espaço, de amplitude, de largura: estar à larga, à vontade. Seu contrário é o termo tsarar, e significa: estar confinado, estar em dificuldade, tristeza ou angústia. Do sentido primitivo passa-se logo a uma significação mais ampla: libertar ou salvar dum mal qualquer, como enfermidade, perigo, guerra, morte, escravidão, etc.; a palavra, então, toma um sentido matizado conforme a circunstância em causa: sarar, viver feliz, vencer, ver-se libertado, etc. Neste sentido, ser salvo é ser tirado de um perigo no qual se corria o risco de perecer. Conforme a natureza do perigo, o ato de salvar tem afinidade com a proteção, a libertação, o resgate, a cura; e a salvação, com saúde, a vitória, a vida, a paz...” Portanto, a salvação também diz respeito aos nossos problemas do dia-a-dia, incluindo as enfermidades físicas.

Juntando todos esses significados, percebemos que o Antigo Testamento conhece um Deus-salvador. Para o povo judeu a salvação é objeto de experiência pessoal. Não apenas uma proclamação verbal; é encontro com o Salvador; o beneficiado e o seu salvador começam a formar uma unidade espiritual, Israel traduz de bom grado esta experiência, este conhecimento, em sua oração (Salmos) [2]. Os indivíduos fazem o mesmo; desfiam em suas orações, primeiro suplicantes, depois agradecidos, todas as desgraças que podem afligir os crentes; a doença, a morte, mas também a injustiça, e até os obstáculos que põem a fé em perigo ( cf.  Sl 6,5; 18; 116, 4-6), são todos sofrimentos dos quais Deus cura com sua ação salvífica.

  

1.2. ABORDAGEM SOBRE A SALVAÇAO-CURA NO ANTIGO TESTAMENTO


                  No Antigo Testamento, a Teologia era a de que Deus envia o sofrimento, a dor e depois a cura; e pode-se afirmar que unicamente Javé é o Senhor da doença e da cura. Esta é a certeza bíblica inabalável [3]. O sofrimento vem de Javé e só ele pode aliviá-lo e curá-lo (Jó 5:18) [4]. Portanto, a doença é uma calamidade mandada por Javé como castigo e somente Ele pode curá-la (Ex 12:12; 1Sm 5:6; Sl 39:11). Daí que, Deus é designado como salvador; no hebraico, esta palavra Salvador é um particípio, e não um substantivo, o que parece indicar que, no Antigo Testamento, a palavra não é tanto um título e, sim, uma descrição das atividades de Deus em prol de seu povo e da humanidade em geral [5]. O autor da salvação pode ser, em certos casos, um homem, mas, na maior parte das vezes, é Deus. Quando se trata de uma doença, a salvação é a cura; quando se trata de uma guerra, é a vitória [6]. Portanto, evidencia-se que, dentro destas atividades salvadoras a função de cura é parte integrante da salvação.

                         No Antigo Testamento, Javé é concebido exclusivamente como Senhor absoluto e Criador [7] (Gn1.1-2.4a). Em sua palavra, transcendente em poder, numa ação livre superior e com autoridade plena sobre a criação, cria também o ser humano; o qual depende de Deus. Precisa de espaço vital, sustento, ocupação, comunidade, comunicação, descanso, e, então Deus providenciou tudo, até o dia do descanso. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou (Gn 1.27).

Quando Javé formou o homem “do pó”, soprou nele o fôlego da vida, fazendo, assim, dele um “ser vivente” (Gn 2:7) [8] . A palavra usada pelo Javista (J ), “nefesh”, originalmente significava “garganta” [9], depois a “respiração” que passa através da garganta e a “vida que pode ser reconhecida através da presença da respiração [10]. Mostra-nos claramente que, o termo refere-se ao homem como um todo. Javé não criou o corpo e lhe acrescentou uma “alma”; o homem deve ser compreendido como um todo vivo, não como uma dicotomia ou tricotomia.

 Por um lado, o homem é “carne”  (básar)[11] ; contudo, Javé é espírito (Gn 6:3 ; Is 31:3). Essa antítese não se refere ao contraste entre aquilo que é material e aquilo que é espiritual; ela enfatiza que o homem é fraco [12], mas Deus é forte (Jr 17:5 ; Is 31: 1-3), que o homem é transitório, mas Deus vive eternamente (Gn 6:3 ; Is 40:6-8). O seu viver na terra não é fácil. É limitado pela sua finitude: sujeito às doenças, degeneração das células e morte, porém Deus é a sua providência. (Jó 14.19; Sl.104.14b-15). O homem, porque criatura, esquece-se e desobedece, possui a faculdade de pecar, será sempre falível. Porque tu és pó e ao pó tornarás (Gn.3.19). Comete crime, se perde, é seduzido, e, atrai para si doenças.

Transgredir é ação congênita do homem! Não aceitou ser humano, querendo antes ser “ como deus”, se rebelou atraindo para si culpa, sofrimento, doença, morte. A ambição humana é a fonte das doenças, mas em Deus está a cura e salvação. Assim já no AT, básar não só significa a falta de força da criatura mortal, mas também a sua fraqueza quanto a fidelidade e obediência em face da vontade de Deus[13].

Neste sentido, a raiz da experiência como diz Westermann, acha-se em a natureza do ser humano. O homem foi criado para a vida embora para uma vida limitada (Gn 2 e 3). Enquanto vive, o homem se vê assediado de riscos, pode sofrer ataques e ferimentos. Quem sobrevive experimentou a salvação, quer povo, quer indivíduo [14].

 A Bíblia é muito precisa quando usa a palavra “curar”. O distúrbio físico aqui focalizado é considerado uma enfermidade, e o restabelecimento é designado pelo termo “sarou”, usando o vocábulo hebraico rafa= Deus cura [15].  O “rafatambém é exclusivamente o entendido em curar como médico de feridos. A raiz lingüística raf', empregada agora as mais das vezes  no sentido de “curar”, originariamente significa remendar, costurar uma coisa a outra, unir. Em geral, o entendido em curar deve restituir as forças ( Cf. Ez 30:21; 34:4) ao enfraquecido pela doença [16].

                          À luz da descrição do termo cura, devemos analisar o termo doença, que é concebida sobretudo como um estado de fraqueza, sofrimento e debilidade humana que perturba o equilíbrio da vida, que prejudica a capacidade do homem de se manter organicamente bem e, por conseguinte, seu resultado final é a morte. Já que doença é uma desintegração da centralidade sob todas as dimensões da vida, o impulso para a saúde, para a cura, deve também ocorrer em todas as dimensões. Saúde e doença são estados da pessoa como um todo e, em decorrência disso, a cura se dirige à pessoa toda. 

                          Portanto, Deus é Jeová Rafá que se apresenta para a recuperação do ser humano. Diante de nós temos clara uma oposição saúde e doença ou ainda cura, (salvação) e doença. A salvação pela cura corresponde à ameaça pela doença [17].  Percebe-se então, que Deus sempre se preocupou com a sua criatura, que estando doente e em sofrimento, deseja conduzi-la para o futuro, ao conhecimento de si mesma e do seu Criador.

                         Um dos momentos privilegiados em que sentimos uma forte mensagem sobre a salvação-cura encontra-se em Êxodo 12. Nesse capítulo, Deus começa a preparar seu povo para a libertação da escravidão do faraó do Egito. A nós nos interessa saber que a manifestação de Deus estará ligada a uma refeição que a partir de então, passará a ser celebrada todos os anos pelos judeus, a saber: a refeição pascal [18].

                         Na refeição pascal no Egito, cada família deveria tomar um cordeiro para comer, e assinalar a casa com o sangue do animal. A ordem de Deus fora: O sangue nas casas será um sinal de que vocês estão dentro delas: ao ver o sangue, eu passarei adiante. E o flagelo destruidor não atingirá vocês, quando Eu ferir o Egito (Ex 12:13).

                          Os resultados da obediência não se fizeram esperar. Quando o Senhor passou pelo Egito, somente as casas dos israelitas foram poupadas. Também ocorreu outro fato estupendo: “E Deus tirou os hebreus carregados de ouro e prata; não houve, nas tribos, nenhum enfermo” (Sl 104:37). Aquele cordeiro serviu para dar proteção e saúde.

                          Uma imagem central para descrever o trabalho de Deus na criação é a da cura. Em Êxodo 15:25b-26, o poder de Deus torna-se uma promessa em um acordo mútuo, e daí que, a saúde foi a realização da Palavra dada por Deus:


Foi aí que Moisés estabeleceu um estatuto e um direito para o povo, colocando-o à prova e dizendo:“Se você obedecer a Javé seu Deus, praticando o que ele aprova, ouvindo seus mandamentos e observando todas as suas leis, Eu não mandarei sobre você nenhuma das enfermidades que mandei sobre os egípcios. Pois eu sou Javé, aquele que cura você[19].


                       Nesta passagem, percebe-se que a palavra e a ação de Deus andam sempre juntas. Isso implica que Ele age julgando e libertando, destruindo e mantendo. Neste sentido, a experiência do Deus Salvador e libertador passa através da descoberta do Deus que Cura, aliado da vida, fonte de saúde. Na confissão de fé: “Eu sou o Senhor, aquele que te cura (Ex 15:26)”, tinha originariamente um conteúdo bem real, definia um programa...cujas alterações do fundamento essencial da existência humana levavam também a um estatus confessionais. Somente Deus cura (II Rs 5:7) e é impiedade duvidar do socorro de Javé, apelando para a consulta médica (II Cr 16:12).  [20]

O êxodo conta desastres impostos àqueles que se opõem dos propósitos e os planos de Deus. Por outro lado, Israel desfruta de uma oferta de amparo para o povo ordenado pelo desejo divino; que é retratada através da imagem de Javé como “aquele que cura”, em contraste com as “doenças” que caíram sobre aqueles que se opuseram a Ele. O lemos no relato de curas como a da irmã de Moisés, Miriam, alcançada através da oração de Moisés (Num 12:9-16). “Moisés clamou então ao Senhor: “Oh Deus cura-a! Miriam foi curada como o foram tantas pessoas no Antigo Testamento.

                           O livro dos Números conta a cura dos mordidos por serpentes venenosas: “Quando uma serpente mordia alguém, se este olhava para a serpente de bronze, continuava vivo” (Num 21:9). Do período patriarcal são lembradas as curas de Abimelec, sua mulher e suas servas (Gn 20:17-18). Existem muitas outras passagens no Antigo Testamento em que vemos pessoas sendo curadas de suas enfermidades. O principal é entender que a cura é vista como uma das dimensões do relacionamento  de Deus com seu povo.

                          Nas narrativas veterotestamentárias, a cura como ação salvífica de Deus é também apresentada como algo para o futuro. Em Jeremias Deus promete restaurar seu povo com um tempo de cura: “Vou pensar-lhes as feridas e curá-las, e lhes proporcionar abundância de felicidade e segurança” (Jr 33:6). Por meio de Ezequiel, diz: “A ovelha perdida, eu a procurarei; a desgarrada, eu a reconduzirei; a ferida, eu a curarei; a doente eu a restabelecerei” (Ez 34:16).

                          Também a presença do profeta Isaías com seus oráculos de promessas escatológicas, em que no fim dos tempos: já não haverá enfermos, sofrimentos nem lágrimas. Quando o Justo Sofredor tiver tomado sobre si as nossas enfermidades, seremos curados graças às suas pisaduras (Is. 53,4s). Sobre a obra do Mesias, é dito: “…o castigo que nos salva pesou sobre ele; fomos curados graças às suas chagas” (Is 53:5b). O Servo recebeu a missão de trazer ao povo paz e cura através de sua presença.

Portanto, a criação, a salvação e a reintegração pertencem à mesma atividade contínua do Deus criador na história. Conseqüentemente, a cura que traz saúde e bem-estar é projetado pelo Criador para prevalecer no mundo criado. Deus toma a iniciativa de salvar o povo do sofrimento. Percebe-se, pois, que o anúncio de salvação, no Antigo Testamento, já integra esta salvação. A mensagem cria estado de tensão e de expectativa que, após o ato salvador, forma com este uma unidade. Estas unidades variam de acordo com os tipos de libertação e de intervenção divinas. A variedade das formas de anúncios caracteriza o Antigo Testamento e a sua história entre Deus e o homem.


1.3 A cura na ação Salvífica de Deus em Jesus Cristo no Novo Testamento. 


                      O Tema central do Novo Testamento é a salvação operada pelo Cristo, o sóter  (gr.) e a soteria (gr.) (salvador e salvação). Aparentemente diferentes, os acontecimentos redentores no Êxodo e no Novo Testamento têm em comum o Deus que efetuou a salvação . Assim sendo, Jesus Cristo é anunciado como salvador. Jesus é o Salvador: esta afirmação sobre Jesus de Nazaré abrange todo o Novo Testamento; foi o Deus salvador que agiu em Jesus como foi o Deus salvador que agiu em favor de Israel [21].


A narração de ação salvífica de Deus em Jesus Cristo, no Novo Testamento pressupõe a experiência de Deus como Salvador. Não é sem motivo que os quatro evangelhos não falam somente de paixão, da morte e da ressurreição de Jesus, mas também do Jesus que nasce e que participa de nossa vida, crescendo e amadurecendo, que favorece esta nossa vida abençoando, curando, protegendo, ensinando. Toda uma série de narrações, as curas, a bênção das crianças, as refeições em comum, fazem parte da ação abençoadora de Deus” [22].  


Portanto, Jesus, o “salvador” (Mt 1.21; Lc 2.11; Jo 4.42), traz a salvação anunciada.  Médico que veio para curar as doenças (Marcos 2.17), ele “salva” o que estava perdido (Lc 19.10). A salvação que ele traz é saúde para os homens (Mt 9.21-22: ser salvo – ser curado), como significam tantos milagres.

 As narrativas de milagres no Novo Testamento, encontram traços, no que se refere aos exorcismos e nas curas de enfermos, como também para os milagres que envolvem a natureza feitos por Jesus, (p. ex., quando acalma uma tempestade, Mc 4:35-41 par) podem ser encontrados paralelos semelhantes em narrações judaicas e helenistas [23]. Ao se relatar que Jesus triunfa sobre maus espíritos, doenças e poderes da natureza, pretendia-se enfatizar que com ele teve início a salvação. Na realidade, o que Jesus procura é  uma saúde total, que quer arrancar radicalmente do mal: ele perdoa os pecados antes de curar e, uma vez curado, o doente deverá evitar de recair no pecado.

                          Para Jesus não existe nenhuma separação entre alma e corpo e, em consonância, tampouco entre salvação eterna e felicidade terrena do homem. O perdão de pecados e a cura da doença estão juntos. Em suas andanças sempre ocorrem as duas coisas: ele prega aos homens o evangelho do Reino de Deus e paralelamente cura suas enfermidades [24]. Assim ele aparece ao mesmo tempo itinerante e taumaturgo. Sua palavra é uma investida real contra todo mal que ameaça destruir o homem, contra seu pecado e contra sua doença. Juntando esses dois aspectos da sua atuação, por ensino e cura, posto que a palavra da graça que procede da sua boca (Lc 4:22) inclui uma série de atividades, desde a instrução até a proclamação  e a cura física, e aí que Jesus se revela o Salvador. [25]

                            A doença naquela época tinha em grande parte o sentido de possessão por espíritos maus [26] ou punição de Deus por uma culpa cometida ou castigo divino, ao qual  a pessoa devia se submeter. Assim é que os discípulos, ao encontrarem um cego de nascença, perguntam a Jesus: “Quem foi que pecou, ele ou os pais?” Jesus  lhes responde: “Ninguém pecou, nem ele nem os pais. Foi para que nele se manifestem as obras de Deus” e ele cura o cego. Assim sendo, através do Novo Testamento Jesus redefiniu essa noção. Jesus dizia ao povo que o sofrimento não vem de Deus; a cura, sim. (Cf. João 9:2 s. e 11:4 ). Daí que pode-se afirmar que, o homem foi feito para manter o máximo equilíbrio espiritual, psicológico e físico. Portanto, Jesus considerava como mal tudo o que impedisse um homem de manter-se íntegro e, imponde-lhe as mãos, o curava.

                            Jesus não faz reflexões teóricas sobre como o mundo corre e sofre. Ele sempre encarou sofrimentos e doenças como males e, portanto, quando alguém se aproximava dele, curava-o porque desejava afastá-lo do mal. Não julga a doença como salutar ao homem e tampouco exige sua submissão ao sofrimento, antes investe contra a doença e o sofrimento. Cura cegos, paralíticos, leprosos, surdos-mudos e, sobretudo, invariavelmente os alienados (Cf. Lc 7:22 par. Mt 11:5).

                              Ninguém negará que Jesus teve poderes que o capacitavam a curar e, seus contemporâneos não tinham a mínima dúvida de que tais poderes eram miraculosos [27] , porque a comunidade tinha experimentado milagres [28]. Essas curas são sinais de sua autoridade, provas de que o Cristo é o kurios do espírito [29] e da força divina [30] (Atos 10:38). Nelas realiza-se sua experiência de Deus de modo visível e para ele próprio surpreendente de que Deus está próximo com o seu povo, com o Israel escatológico; e assim as interpreta como sinais do Reino de Deus que está para chegar. Por isso a peculiaridade característica do anúncio de Jesus está no fato de os acontecimentos finais não serem mais mero futuro. O Reino de Deus já se inicia. Que o Reino de Deus já está presente, mostra-se, sobretudo, nos milagres da cura de Jesus. Contudo, a presença do Reino de Deus, para Jesus, manifesta-se claramente na libertação dos homens da doença e da possessão.[31]

                     No evangelho de Lucas, como de resto os dois outros sinóticos, relata numerosos milagres de cura de doentes. O próprio Jesus, segundo Lucas, dá um sentido religioso a estes gestos de ajuda ou libertação dos homens [32]. Daí que, a palavra cura, é freqüentemente designada pelo verbo “salvar”: “Tua fé te salvou, declara Jesus. O termo é equívoco: ele designa a cura, mas pode-se pressentir que ele vai mais longe (Cf. Lc 7:50 e 17:19).  Lucas faz do milagre um sinal da verdadeira salvação. Portanto, a cura física não passa de um sinal, uma promessa da verdadeira salvação, que é a vitória sobre o mal [33].

 Neste sentido, argumenta FABRIS & MAGGIONI:

A tradição evangélica da qual depende Lucas (evangelho de Marcos de fonte “Quelle - Q” ) selecionou alguns milagres de cura ou libertação do mal físico e os releu sob o aspecto religioso. Assim, além da cura física, a interpretação evangélica entreviu a salvação simplesmente, introduzindo nela um elemento tipicamente religioso: a fé (cf. Lc 7:1-10; 8:50). Esta é uma conotação constante da salvação bíblica; o Senhor salva quem confia nele, quem conta com a sua fidelidade e poder ( cf. Is 7:9; 28:16; 30:15; e nos Salmos). Também, para a cura-salvação concedida por Jesus, a fé é a condição  única e essencial: “A tua fé te salvou”, é o anúncio que Jesus dá à Mulher curada da hemorragia crônica (Lc 8:48; Cf. Lc 17:19: ao samaritano curado da lepra; 18:42: ao cego de Jericó).[34]

   
Pode-se confirmar de que, todas as narrativas de curas são, antes de tudo, histórias de fé. Elas anunciam o que pode a fé, despertada por Jesus, na salvação de Deus diante de uma desgraça concreta. Somente aquele que crê na palavra de Jesus pode vivenciar em si próprio os efeitos ou os conhecer em outras pessoas; quem não crê, nada experimenta nem vê. Dessa forma, muitas curas milagrosas de Jesus dão por assim dizer a impressão de provas de fé, de modo que o milagre maior não é a cura mas a fé. Portanto o milagre de cura é um sinal ( shme|ia Cf. Mt 12:38 s.; Mc 8:11 s.), o que quer dizer que ele ainda não é definitivo. Também se trata de uma salvação limitada em qualidade: é uma salvação temporal, que cura um corpo que deverá morrer. O milagre é promessa de salvação definitiva, vitória sobre o mal que atingirá nosso ser por inteiro e para sempre.
Também a tarefa dos doze, enviados em missão com o poder de Jesus, é a de anunciar o reino de Deus e de curar os doentes (Lc 9:1-2). A boa nova do reino se difunde vencendo o mal até nas suas ramificações  extremas (CF Lc 9:6; 10:9). [35] 

Não só as curas prodigiosas confirmavam o poder do anúncio evangélico nos tempos apostólicos; o próprio Novo Testamento  fala de uma verdadeira e própria concessão aos apóstolos e aos outros primeiros evangelizadores de um poder de curar as enfermidades em nome de Jesus. Assim, ao enviar os Doze para a sua primeira missão, o Senhor, segundo a narração de Lucas e Mateus, concede-lhes “o poder de expulsar os espíritos impuros e de curar as doenças e enfermidades” (Lc 9:1; Mt 10:1) e dá-lhes a ordem: “Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, sarai os leprosos, expulsai os demônios” (Mt 10:8). Também na primeira missão dos setenta e dois, a ordem do Senhor é: “Curai os enfermos que aí houver” (Lc 10:9).

Os Atos dos Apóstolos referem de modo genérico prodígios operados por estes: “inúmeros prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos” (Atos 2:43; Cf 5:12).  Quer parte final do Evangelho de Marcos quer a Carta aos Gálatas, como antes se viu, alargam a perspectiva e não circunscrevem as curas prodigiosas à atividade dos Apóstolos e de alguns evangelizadores que tiveram papel de relevo na primeira missão. Nesse particular contexto, são de extrema importância as referencias  ao “dom das curas” ( 1 Cor 12:9,28,39). O significado de carisma é, por si, muito amplo: “o dom generoso”; no caso em questão, trata-se de “dons de curas obtidas”. Essas graças, no plural, são atribuídas a um único sujeito (Cf 1Cor 12:9) e, portanto, não se devem entender em sentido distributivo, como curas que cada um dos curados recebe para si mesmo; devem, ao invés, entender-se como dom concedido a uma determinada pessoa de obter graças de curas em favor de outros.

                       Concluindo, a salvação é atribuída ao Pai ( I Tm 2.3) e ao Filho (II Tm 1.10). Jesus veio como Salvador do mundo porque Deus queria a salvação de todo o gênero humano ( I Tm 2:4; Cf. Jo 4:42 ). Deus é descrito como salvador, no Novo Testamento por ser Ele o autor da  salvação que Jesus Cristo veio trazer aos homens (Luc. 1:47; I Tim. 1:1; 2:3; 2:10; Jud. 25). Percebe-se então,que os textos do Antigo Testamento ensinam a mesma doutrina básica de cura física explicitada no Novo. Os milagres de cura, portanto, são sinais da salvação oferecida por Deus. Na medida em que é ato de Deus, a cura abre-se para a fé em Jesus Cristo.


Esta maneira de conceber o milagre da cura pode remontar ao próprio Jesus, porquanto ele interpreta a sua atividade sobre o pano de fundo dos textos proféticos, que anunciam os sinais da salvação messiânica como libertação do mal físico. Ele começa a atacar o mal no nível periférico, onde se manifestam os sintomas mais evidentes. Mas seu objetivo é reconstruir o homem nas suas raízes, libertando-o da fatalidade que o torna escravo do mal. O diálogo que caracteriza o milagre da cura evangélica, mesmo admitindo as adaptações redacionais dos evangelistas com finalidade catequética ou litúrgica, provavelmente reproduz um estilo e método de Jesus para alcançar o homem e para suscitar nele aquela confiança e abertura que o tornam disponível à liberdade e novidade do reino de Deus. [36]
  

                         Portanto, o Novo Testamento exprime a convicção de que Jesus de Nazaré cumpre as esperanças de salvação do Antigo Testamento [37]. A razão fundamental para isso vem do fato de que no núcleo central de sua mensagem se encontra o anúncio de um Jesus “Salvador”, salvação cuja vinda ele manifestou no mundo não apenas por suas palavras, mas também por seu corpo, através de seus gestos de cura e de exorcismo e até do dom total de sua pessoa; neste sentido, é uma salvação integral que Ele oferece.

A esse respeito, SCHREINER, J.[38] diz que, segundo Paulo a fé e o conhecimento dão a medida da posição do homem na economia divina da salvação. Foi ele o primeiro teólogo da Igreja a desenvolver uma concepção própria da história da salvação, na qual o evento salvífico Cristo tem um lugar próprio. A pesar de membro do povo da aliança, para ele só existe uma salvação que realiza as promessas feitas ao povo de Israel, de modo que a história da salvação de Israel não termina em Cristo, mas tem nele o seu cumprimento. Com termos e conceitos jurídicos Paulo tenta assinalar, na obra salvífica de Deus, um lugar certo para o homem que existiu depois de Cristo isto é, a Igreja.

SOLI DEO GLORIA

REV. RUBEN DARIO DAZA B.

Este trabalho foi a proposta de Monografia apresentada no Seminário Rev. Antonio De Godoy Sobrinho, na cidade de Londrina (Paraná) no ano de 2001.

Para lêr sobre a proposta, clique neste link: http://teologiaycienciarubedaza.blogspot.com/2011/10/salvacao-em-deus-e-cura-uma-proposta-de.html


Para lêr sobre a Teologia Sistematica, clique neste link: http://teologiaycienciarubedaza.blogspot.com/2011/10/teologia-sistematica-cura-fisica-como.html 


[1] F. MICHAELLI. Verbete: SALVAÇÃO. In: J.J. VON ALLMEN. Vocabulário Bíblico. p.389.; HARTLEY. J. E. Verbete: Salvação-Livramento. In: VV.AA. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. p. 680; LESQUIVIT, C. & GRELOT, P. Verbete: Salvação. In: VVAA. Vocabulário de Teologia Bíblica, p. 938 s. Já no âmbito Latino-Americano, o termo “salvação” equivale a “Libertação” e Deus é definido pelo Êxodo, como “Libertador” não é um conceito adventício, mas o centro do querigma bíblico, isto é: o Deus-da-história que ilumina a atuação do Deus presente. Cf. CROATTO, Severino J. Êxodo, Uma Hermenêutica da Liberdade.  p.67.  O termo salvação nos LXX (SEPTUAGINTA) é swthri,a, swth,rion, (do tema sw|zw:significa curar, salvar, guardar), Cf. NELIS, J. Verbete: Salvação. In: VV:AA: Dicionário Enciclopédico da Bíblia. p. 1374 s.
[2] Cf. Especialmente nos Salmos de “Ação de Graças” onde se encontram as “narrações, do acontecido e da libertação”, assim: GUNKEL, H. Introducción a los Salmos, 1987, p. 281 ss. ; CERESKO, A., Introdução ao Antigo Testamento, Numa Perspectiva Libertadora, p. 278-279 e  LOHFINK, N. Grandes Manchetes de Ontem e de Hoje. p. 112 e 114.
[3] WOLFF, Walter Hans. Antropologia do Antigo Testamento. P.198.
[4] VON RAD, G. Teologia do Antigo Testamento (Vol 1). P.268
[5] CHAMPLIN,Russell  e  MARQUES B. P., ENCICLOPÉDIA DE BÍBLIA TEOLOGIA E FILOSOFIA, Volume 6  S-Z , Verbete: Salvação. p.82 s.
[6] CARMIGNAC, J. O vocabulário da Libertação e da Salvação na Bíblia. In: VV.AA. Libertação dos Homens e salvação em Jesus Cristo: Um estudo bíblico – 1ª Parte. (Cadernos Bíblicos). p.14.
[7] FOHRER, G. História da Religião de Israel. p.57.
[8] WESTERMANN, C. & JENNI, E. (editor), Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento – Tomo II, verbete: Alma. p. 120.
[9] WOLFF, Walter Hans. Antropologia do Antigo Testamento, 1975, p.21 ss.
[10] WESTERMANN, C. & JENNI, E. (editor), opus citatum, Verbete: Alma. p. 108 s.
[11] BAUMERT, N. Mulher e Homem em Paulo. 1999, p.232.
[12] Cf. BAUMERT, N. Mulher e Homem em Paulo. 1999, p.233 s.
[13] Homem efêmero, Wolff,Walter Hans. Antropologia do AT. p.43
[14] WESTERMANN, Claus. Teologia do Antigo Testamento. p. 35.
[15] WHITE, W. Verbete: Curar, tornar saudável. In: VV.AA. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento .1998. p.1446.
[16] WOLFF, Walter Hans. Antropologia do Antigo Testamento, 1975, p.193.
[17] idem, ibidem, p. 195 ss.
[18] SCHULTZ, Samuel J. A História de Israel no Antigo Testamento. 1995, p.52 e 68.; BONNARD, P.E. Verbete: Páscoa. In: VV: AA. Vocabulário de Teologia Bíblica. 1999. p. 719 s. Com relação aos textos Bíblicos que detalham os procedimentos para a observância da páscoa são: Nm 28: 16-25; Lv 23:5-8; Dt 16:1-8.
[19] Tradução usada da Bíblia Sagrada – Edição Pastoral.
[20] VON RAD, G., loc. Cit. p. 198
[21] WESTERMANN, C. O Antigo Testamento e Jesus Cristo. 1979, p.35.
[22] idem, p.45. 
[23] Cf. BORNKAMM, G. Bíblia Novo Testamento: Introdução aos seus escritos, 1981, p.48; LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. 1985, p. 118 ; WEISER, A. O que é milagre na Bíblia. 1978, p. 38 s. ; GNILKA, J. Jesus de Nazaré: Mensagem e História. 2000, p.113 s.; VV.AA. Os Milagres do Evangelho. 1982,p.25. (Cadernos Bíblicos Nº 16).   
[24] LOHFINK, Gerhard. Como Jesus Queria as Comunidades? A dimensão social da fé cristã.  P. 25 s. 
[25] FREYNE, S. A Galiléia, Jesus e os Evangelhos: Enfoques literários e investigações históricas. P.93.
[26] JEREMIAS, J. Teologia do Novo Testamento. 1977, p. 144 s.; GNILKA, J. Jesus de Nazaré, Mensagem e História. 2000, p. 118.   
[27] BORNKAMM, G. . Bíblia Novo Testamento: Introdução aos seus escritos. Loc. cit.  p.48;
[28] THEISSEN, G. Sociologia do Movimento de Jesus. P. 91.
[29] KÜMMEL, W. G. Síntese Teológica do Novo Testamento. P.191;
[30] BULTMANN, R. Teologia Del Nuevo Testamento. P. 179
[31] LOHFINK, G., Como Jesus Queria as Comunidades?. Op. cit., p. 120.
[32] FABRIS, R. & MAGGIONI, B. Os Evangelhos (II), Tradução e comentários. P. 207.
[33] VV.AA. Os Milagres do Evangelho. 1982, (Cadernos Bíblicos Nº 16). P. 63.
[34] FABRIS, R. & MAGGIONI, B. Os Evangelhos (II), Tradução e comentários. 1992, p.207
[35] FABRIS, R. & MAGGIONI, B. Op. Cit  p.208.
[36] FABRIS, R. & MAGGIONI, B. Op. Cit  p.207.
[37] NELIS, J. Verbete: Salvação. In: VAN DEN BORN, A. (redator). Dicionário Enciclopédico da Bíblia. 1992, p. 1377.
[38] SCHREINER, J.,Forma e Exigências do Novo Testamento, 1977, pp. 93.

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